O que parecia piada de ateu na Sexta-Feira Santa ganhou as páginas policiais dos noticiários. O jovem ator Tiago Klimeck, de 27 anos, interpretava Judas no espetáculo da Paixão de Cristo em Itararé, interior de São Paulo, quando, na tradicional cena da morte do apóstolo com uma corda, foi vítima acidental de um enforcamento que quase lhe custou a vida. Ele passou minutos desacordado, sofreu asfixia e, em coma induzido, ainda está na UTI. As causas estão sendo investigadas pela polícia.
No Agreste pernambucano, há 45 anos a forte imagem da morte de Judas é representada em Fazenda Nova. Um caso como o de Itararé nunca aconteceu dentro das muralhas de Nova Jerusalém. "O colete de couro do ator é feito por um celeiro. É resistente. O material é revisado. Em 15 anos à frente da direção da Paixão, seis atores já fizeram o papel de Judas e todos deixam a cena sem problema algum", relata Carlos Reis que, ao lado de Lúcio Lombardi, comanda o espetáculo.
Não há muitos mistérios no truque visto no palco. Por baixo das vestimentas, o ator veste colete com uma alça pouco abaixo da altura da nuca. Na frente do público, ele retira de seu figurino um cordão com o qual supostamente será enforcado. Quando joga a corda por cima da árvore para montar a cena do crime, ataca discretamente um cabo de aço na alça do colete. Com o procedimento feito, dá várias voltas com o cordão em torno do pescoço e pula. "As luzes se apagam, o contra-regra solta a roldana e o cabo de aço, e o ator cai suavemente no colchão", explica Reis.
Este ano, Caco Ciocler interpretou Judas no Agreste. "No primeiro dia do ensaio, ele aprendeu a técnica e foi a aprimorando. A morte saiu perfeita em cena", comenta Reis.
O ator Mário Miranda já fez, em 26 anos, vários papéis nos espetáculos da Paixão pelo Estado. Este ano, pela primeira vez foi o traidor de Jesus. Em cartaz nas montagens do Recife e de Olinda, repetiu a cena do enforcamento dez vezes em cinco dias. "É muito seguro. Quem fazia antes de mim era muito mais pesado do que eu e nunca teve problemas", relata. Duas situações podem exigir certo traquejo por parte do intéprete. "Só pode haver problema se a corda enganchar e se amarrar no pescoço do ator, ou se o figurino rasgar. Ainda assim, tem um gancho de ferro que acopla na axila e nos segura se for necessário. É muito difícil haver problemas", diz Miranda.
AO CHÃO - Nova Jerusalém guarda de recordação o dia em que Judas foi parar no chão em vez de ficar pendurado. Há sete anos, o ator Júlio Rocha caiu quando a corda, desgastada, partiu-se. "O ator costumava fazer a cena com muito ímpeto. Nos ensaios, pulou uma, duas vezes e tudo bem. Estreou o espetáculo e tudo bem. No sexto dia, quando pulou, o material, depois de sofrer tantos impactos, cedeu", lembra Carlos Reis. O colchão de espuma amorteceu a queda de Júlio, que não teve ferimentos graves e, no dia seguinte, integrava o elenco como de costume.
Foto: Dayvison Nunes / JC Imagem