Por Mariana Peixoto
No synth-pop britânico da década de 1980, cada um dos grandes vendedores de discos da época tinha seu lugar. O New Order – que vinha de alta estirpe –, o Joy Division – era como um pai de todos, abrindo caminho para a explosão da música eletrônica. O Depeche Mode era o que tinha tons mais negros, conceituais. Os Pet Shop Boys faziam um pop saboroso e refinado. Ao Erasure coube um lugar menos nobre, uma espécie de baixo clero do gênero, com suas canções grudentas e comerciais. Mas, justiça seja feita, igualmente saborosas. Atire a primeira pedra quem nunca dançou ao som de seu maior hit, A little respect.
Andy Bell, a voz, e Vince Clarke, programações, estão juntos desde 1985. Ainda que as canções mais conhecidas sejam da primeira fase – além da supracitada, há Love to hate you, Oh l’amour, Always, entre outras –, eles nunca pararam de lançar discos. Neste quarto de século, venderam 25 milhões de álbuns e emplacaram 24 hits consecutivos na parada inglesa.
Há quatro anos, e sem brigas, Bell e Clarke foram cada um para seu canto. “Só queria dar um tempo de ser um Erasure”, diz o cantor, que neste período lançou seu segundo disco solo, Non stop, mais voltado para o minimal. Retornaram aos palcos em março, em Miami, com a turnê Total pop!, que desde então rodou parte da Europa.
Para o público que for ao show, um aviso do próprio Bell: todos os hits estarão presentes, mais alguns lados B e uma faixa inédita, que vai estar no próximo álbum. “Das músicas velhas, mudamos pouca coisa nos arranjos. Hoje, o Vince não precisa mais ir para o palco com vários sintetizadores. É preciso somente um, mais um computador. Há alguma diferença, mas somente os geeks vão conseguir notar.”
Outra característica que marca a trajetória do Erasure é o forte apelo gay. Um dos primeiros artistas do pop a revelar sua homossexualidade, Bell, com seus fortes agudos, tem uma marcante presença cênica, bastante teatral. “Soa até engraçado, mas há muitos heterossexuais que amam a música do Erasure. Acho que se sentem confortáveis em ouvir uma banda assumidamente gay. Lógico que o público gay nos nossos shows é muito grande, mas não sei dizer quanto.”
Interpretando basicamente canções de amor com forte apelo pop, Bell não faz restrições: “A canção pop perfeita é aquela que consegue atravessar uma pista de dança, que leva o público para outra esfera, a levantar os braços e cantar junto”. Com A little respect, não há como negar, isso realmente acontece. Independentemente de qualquer opção sexual.
De Depeche Mode a ABBA
A história do Erasure começa muito antes de 1985. Vince Clarke surgiu na música em 1976, com um tal Andrew Fletcher. Tiveram um duo, No Romance in China, que não teve longa vida. Depois, Clarke se uniu a outro nome de larga lembrança, Martin Gore, para outro duo, French Look. Até que chegaram os anos 1980 e eles, já com nova formação, conheceram David Gahan. Estava formado o Depeche Mode, um quarteto que tinha como principal compositor justamente Clarke. Chegou o ano de 1981 e, com ele, o álbum de estreia, que de cara emplacou o single Just can’t get enough. Pouco depois, Clarke não se fez de rogado, deixou o grupo antes do segundo disco e teve outras formações sem muita repercussão. Foi em 1985 que, após uma seleção que envolveu 40 outros cantores, conheceu Andy Bell. Estava formado o Erasure. Além do trabalho autoral, em sua extensa discografia, o duo nunca se negou a reverenciar seus ídolos. Em 1991 gravou um EP com cinco covers do ABBA. Doze anos mais tarde, gravou um disco inteiro só de versões, Other people’s songs, que incluiu canções como Can’t help falling in love, You’ve lost that lovin’ feelin’ e Video killed the radio star.
ENTREVISTA
“Não acredito em autocensura“
Andy Bell é um cidadão extremamente franco. Um dos primeiros artistas do pop a assumir publicamente sua homossexualidade, também não se furtou a anunciar ser portador do HIV. Bem-humorado, não mascara a vida ou a carreira. Aos 47 anos, sabe que seu auge já passou, mas nem por isso se abala com o que vem pela frente.
Você é um dos primeiros artistas a falar abertamente da homossexualidade. O que o fez tomar essa decisão?
Sempre fui uma pessoa muito aberta, procurei colocar minhas cartas na mesa. Nunca entendi como certo tipo de celebridade acha que pode determinar a que tipo de pergunta vai responder. E hoje em dia, com essa história de reality shows, as coisas só pioraram. Então, fico satisfeito que tenha falado a verdade em outra época. E a imprensa na Grã-Bretanha é terrível, você não pode ter qualquer segredo que alguém vai descobrir e retratá-lo como uma pessoa que não é.
Foi também por isso que você, em 2004, revelou ser portador do HIV?
Em 1999, fiz uma cirurgia para retirar o apêndice. Na época, fizeram um teste de HIV, que deu negativo. Só que um cara roubou uma jaqueta de couro minha num clube e foi aos jornais dizendo que era meu namorado e que eu o havia infectado. Meu namorado na época foi ao médico desse cara levando meu exame negativo. Assim, quando anos mais tarde descobri que tinha sido infectado, pensei: “Não quero que algo parecido ocorra novamente, então vou falar a verdade”. O que mais poderia fazer?
Comparando os dias atuais com o início do grupo, o que mudou?
Quando você está começando acha que é o melhor e que pode mudar o mundo. À medida que o tempo passa, vê que a história não é bem assim. Por outro lado, seu gosto se refina. De mudança, mesmo, o que ocorreu é que a música hoje em dia está muito mais no vídeo do que no rádio. E nunca fomos queridinhos da MTV nem nada parecido. Temos nossa base de fãs, graças às turnês, usamos todas as ferramentas virtuais, redes sociais… mas dificilmente encontramos espaço na mídia britânica. Você poderia achar que as coisas ficariam mais fáceis, mas é justamente o contrário. Além disso, na indústria musical, quando você está entre os 40 e os 50 anos, é deixado numa espécie de limbo. Uma vez que alcançar os 50, será tratado de forma diferente, como uma espécie de ícone. Ainda faltam três anos para que isso ocorra comigo.
Erasure no Brasil:
4/08 - Brasilia, Unique Palace website
6/08 - Rio de Janeiro, Citibank Hall
7/08 - Belo Horizonte, Chevrolet Hall
9/08 - Sao Paulo, Credicard Hall
11/08 - Porto Alegre, Pepsi on Stage