Tal Pai, Tal Filho...

Reprodução/TV Globo

Por Joca Souza Leão
em seu blog Crônicas do Joca
Postagem Gabriel Diniz


Tenho dois filhos: João e Joana. João tinha quase quatro anos e, Joana, quase dois. Cheguei em casa do trabalho de noitinha. Os dois estavam molinhos, febris e com um pouco de disenteria. Sueli, mãe cuidadosa e diligente, já tinha ligado pra Hiltinho (Hilton Cunha Jr., pediatra e meu amigo de infância), que tinha prescrito “soro caseiro e observação”.

Como sempre, os dois vieram pra minha cama. Joana com duas chupetas (uma pra chupar, outra pra cheirar) e João trazendo uns livrinhos de história pra eu contar. Não cheguei a contar nem a metade da primeira. Súbito, os dois começaram a vomitar. A diarreia aumentou. E a febre virou febrão.

“Nesse caso – tinha dito Hiltinho – levem os dois direto para o IMIP! E me telefonem de lá.” Sueli entrou debaixo do chuveiro de água fria com Joana e eu entrei com João, até baixar a febre. Partimos para o IMIP com os dois enrolados nas toalhas.

Quando Hiltinho chegou, 15, 20 minutos depois da gente, os dois já estavam recebendo os cuidados médicos preliminares; soro instalado e temperatura sob controle.

Antes de examinar e medicar, Hiltinho mandou colher as fezes pra fazer a cultura em laboratório. “Mas não vamos perder tempo. Vamos começar com o antibiótico imediatamente. Isso é shigella e salmonella das brabas”. (Quando o resultado da cultura chegou, tava lá, com todas as letras: Salmonella enterica e Shigella dysenteriae. Na mosca!). Três dias depois, estavam de alta. Em nenhum hospital pediátrico privado teriam sido mais bem tratados. Nem mais rapidamente curados. Hiltinho tinha sido aluno de Fernando Figueira, o fundador do IMIP, e o tinha como mentor.

Ainda jovem, Fernando Figueira já era professor catedrático de Pediatria da Faculdade de Medicina do Recife (depois, UFPE). Professor visitante nos Estados Unidos e em Paris. Livros e trabalhos publicados. Médico de renome. Tinha uma grande clientela particular; que podia ter sido maior, muito maior. Bastava ter se dedicado apenas e tão somente à medicina privada. Mas fez justamente o inverso. Fez o IMIP. Uma obra enorme, gigantesca, à qual dedicou boa parte de sua vida e de suas energias, até sua morte em 2003, aos 84 anos.

Não há o menor exagero em afirmar que Fernando Figueira salvou – e continua salvando – milhares e milhares (ou milhões?) de crianças pernambucanas pobres ao longo dos 50 anos do IMIP. “Não por caridade, mas como resgate da dívida social que nós, privilegiados, contraímos com nossos irmãos,” dizia ele.

Por isso, quando Antônio Carlos Figueira, filho de Fernando, disse que ia restaurar e ressuscitar o Hospital Pedro II (foto), quase em ruínas, após 28 anos de abandono, ninguém ousou duvidar. Tal pai, tal filho.

Daria menos trabalho, por certo, construir um novo hospital. Vertical. Mais um espigão na cidade. Mas, não. Foi pelo caminho mais difícil. O da restauração arquitetônica minuciosa, supervisionada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Acho que nunca se fez uma obra de restauro tão grandiosa e rigorosa em todo o Norte e Nordeste, em todos os tempos. O resultado é simplesmente monumental, emocionante.

Com o Pedro II (inaugurado em 1861), Antônio Carlos resgatou, também, a paisagem do Recife. E a história da medicina em Pernambuco. “Aqui, os médicos procuravam se qualificar para ganhar a vida, ao contrário do que ocorre atualmente, quando se tenta primeiro ganhar a vida”, disse Carlos Moraes, falando em nome das várias gerações de médicos que ensinaram, estudaram e praticaram medicina nos mais de cinquenta anos do Pedro II como hospital-escola.

Restaurado e moderno, com equipamentos e tecnologia de última geração, o Pedro II está de volta; agora, como hospital-escola da Faculdade de Medicina do IMIP.

Dezenas de empresas, centenas de políticos e milhares de pessoas acreditaram, contribuíram e trabalharam para restaurar e ressuscitar o Pedro II. Mas uma pessoa, apenas uma, sonhou e realizou o sonho: Antonio Carlos Figueira.

No dia em que meus filhos tiveram alta, há trinta anos, tornei-me um modesto contribuinte do IMIP. Até hoje. Até sempre. Depois de mim, meus filhos, meus netos...

Postar um comentário

Comente esta matéria

Postagem Anterior Próxima Postagem