Rabo de conversa


Por Joca Souza Leão
Postagem: Gabriel Diniz

Às vezes, a gente ouve um rabo de conversa, fica sabendo o começo de uma história, mas não sabe do fim; noutras, fica sem saber o começo, porque, quando se chega, o papo já tá nos finalmentes. Não sei o que é pior. Se história sem pé ou história sem cabeça.

Outro dia, fui visitar meu amigo Chico Mendonça no Hospital Português. Caminhando. Quando passei na pracinha que fica logo depois do Spettus, na Agamenon, um técnico em telefonia (acho eu), trabalhava no alto de um poste. Em baixo, segurando a escada, o colega lhe anunciou em alto e bom som: “Rapaz, minha sogra é de lascar. Sabe qual foi a última da coroa?” Com uma introdução dessa, eu não podia perder. Estanquei na hora. Pra minha curiosidade não dar muito na vista, agachei e refiz os laços dos tênis. “A desgraçada caiu dentro da caixa d’água. Quando minha esposa veio pedir ajuda para tirá-la de lá, não resisti: ‘Bota a velha pra quarar, minha filha!’” – e deu uma gargalhada daquelas.

No elevador do Edifício Zykatz, no Cais José Mariano, onde trabalhei por quase dez anos, ouvi a seguinte conversa entre dois homens de paletó e gravata, na faixa dos quarenta anos. “Soubeste de Paco?” “Não! O que houve?” “Ele pegou a sacana da mulher dele em flagrante com o vizinho.” “E daí?” E daí que os dois homens saíram do elevador no primeiro andar, deixando a história sem final (tipo: continua no próximo capítulo, no Dia de São Nunca). Não tive dúvida. Pedi a Edson, o ascensorista, para, quando os homens descessem, perguntar sobre o desfecho do caso. No final do expediente, fui cobrar de Edson. “E aí?” “E aí que Paco se deu bem; mandou a mulher embora e casou com a irmã dela, seis anos mais nova.”

Por conta de um rabo de conversa, o pintor José Cláudio me disse que achava que tinha salvo uma vida. Aliás, uma, não; duas. Uma ia ser assassinada. E a outra, a do assassino, ia penar na cadeia.

Zé pegou um táxi no centro da cidade para ir ao dentista, Romildo Souza, em Piedade. Quando estava na metade do caminho, o motorista, um homem já entrado nos sessenta, cara saudável e bem afeiçoado, atendeu o celular com voz pausada e mansa: “Você sabe muito bem que só há um jeito de um homem limpar a sua honra”. E desligou o telefone. A história ia ficar por aí, sem começo nem fim, se Zé não tivesse percebido a gravidade do que acabara de escutar. E deu a deixa: “Tá com algum problema, amigo?” Era tudo que o motorista queria e precisava ouvir, para contar sua história desde o princípio.

“Desculpe, mas eu sinto que posso confiar no senhor. Estou em vésperas de cometer um desatino. Tenho um romance com uma moça desde que ela tinha dezesseis anos; hoje está com vinte e oito. Ela sempre soube que eu era casado. Dei-lhe tudo do bom e do melhor, nunca lhe faltou nada. Casa, comida, roupa lavada; até um carrinho, comprei pra ela outro dia. Agora, veio com uma conversa de que quer casar e ter filho. Aí tem! E um homem não pode ser traído e deixar por isso mesmo.” Zé o interrompeu: “Quem foi que deu ao outro tudo do bom e do melhor? O senhor, que comprou o que deu a ela, ou ela, que lhe deu os melhores anos de sua juventude?” O motorista ficou em silêncio. Zé continuou: “A vida está lhe dando a oportunidade de agir como um homem de verdade. Não perca essa chance. Retribua parte do que você recebeu. Procure saber o que ela precisa para ser feliz. Dê o enxoval do casamento, a casa que ela mora e tudo mais que o senhor possa dar.” Silêncio absoluto. No final da corrida, o motorista se recusou a receber: “Se alguém aqui deve alguma coisa, sou eu que devo ao senhor”.

Os jornais não noticiaram o casamento da moça. Mas, também, não estamparam em manchete: “Taxista mata a amante e é preso”.

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