O príncipe de meia soquete


Por Regina Melo Cavalcanti

Fui acordada às 07:00 da manhã com o seguinte telefonema:

-Oi, amiga! Te acordei?

-Não, não! Estava acordada já! (Mentira, lógico que me acordou.)

Mas, sigamos...

- Ai Nininha, tenho que te contar! Ontem conheci um menino tão gente boa, papo inteligente, nem é tão bonito, tá mais pra feinho, sabe?! Faz mestrado e trabalha com aquelas coisas de logística que eu não entendo nada! Mas ele tem um defeito, amiga! Muito grave!

- E qual é o defeito? (Pensei em drogas, 6 filhos pra criar, sei lá...)

Então ela me disse:

- Ainnnn, amiga! Ele usa tênis com meia soquete cinza e uma bermuda que tem no mínimo uns cem bolsos!

Silêncio. Agora pausa para pensar...

Conversa de mulher, solteira ou não, sempre chega ao ponto comum de como é difícil encontrar um homem bacana. Quem não tem, quer. Quem tem, reclama.

Meu pai quando se refere ao fato de eu estar solteira diz que sou exigente demais. Não vejo mal algum em ser exigente, em querer alguém especial. Alguém que tope andar de mãos dadas, ir ao cinema, viajar, ir aos jogos do Náutico. Alguém que não implique com minhas roupas e com meus amigos homens e que seja amigo das minhas amigas. Não vou negar que minha exigência já passou pela fase do rostinho bonito, corpinho sarado.

Hoje em dia não mais. Se vier no pacote eu aceito, lógico! Mas, calma! Homem relaxado não tem chance! Assim como não têm chance os indecisos, os complicados, os preguiçosos e os sem objetivo de vida.

Logicamente que o conceito de exigência é bastante subjetivo. Conheço pessoas que eliminam candidatos não somente por meias soquetes cinza, mas por eles não saberem a importância de Mikhail Gorbachev para o fim da Guerra Fria ou jamais terem lido Tostoi ou Rilke. Eliminam porque riem de tudo e parecem bananas, porque comem catchup com pão francês e não entendem nada de vinho. Eliminam porque o carro do cara é um carro do ano.

Do ano de 1999 sem ar condicionado e vidro elétrico.

Boa parte das pessoas- tudo que falo aqui também se aplica ao universo masculino – imagina que os padrões familiares não podem ser quebrados, que os paradigmas impostos pela sociedade apenas incluem pessoas lindas, sofisticadas e entendedoras de tudo. Verdade seja dita: utopia demais perante um mundo feito de aparências.

Inclusive as nossas que tentamos maquiar dando mais ênfase aos defeitos alheios. Sabe o cara da meia soquete cinza e a bermuda de mil bolsos? Pode ser o príncipe gente fina que se espera, mas que precisa só de uma mãozinha. É hora de recolhermos nossos prejulgamentos, libertar nossos preconceitos, deixar o orgulho bobo de lado e nos permitir conhecer pessoas levando em consideração o conteúdo dos bolsos interiores que todos temos, atentar para o fato de que o gosto duvidoso na moda vem ou não acompanhado por um caráter duvidoso, de um humor duvidoso, de uma inteligência duvidosa.

Porque sapato com meia, com jeitinho, a gente troca. Bermuda, com jeitinho, a gente substitui. Mas o que vem atrelado à essência, não!

Aliás, e nós? Quem estiver disposto a nos conhecer – e aceitar – não poderá somente se ater ao modelito de alta da estação, ao rostinho bonito e bastante melhorado pela maquiagem, ao nosso papo impecável de mulher inteligente (ou quase inteligente).

Eu, por exemplo, gosto mais de Belo do que de Chico Buarque. Inevitavelmente vão conviver com nossas manias, como nosso vício de novela, com a recusa de molhar o cabelo no mar porque resseca ou estraga a progressiva, com o horror ao calor, com as cobranças por não atenderem nossos telefonemas ou com nossos sutiãs do ano.

Do ano de 1999 também.

Chega um momento em que devemos aceitar que para viver uma história de amor (que não deve ser eterna, exceto enquanto durar) é preciso fazer sacrifícios, grandes ou pequenos. Banais ou essenciais. Mas, sobretudo, aceitar o outro pelo que ele é, e não pelo que queremos que ele seja. Amar é raro, mas viver um pouco do amor nós é que tornamos difícil.

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