Duas cervejas

Imagem do filme Frankenstein (1994), de Kenneth Branagh
Por Ana Quitéria


Rita me segue no Facebook e identificou-se com uma reclamação que publiquei dia desses.  O pequeno texto dizia assim "Eles (quem?) deveriam inventar uma pílula contra esta angústia que aparece depois do almoço do domingo e só melhora - um pouco - na noite da segunda. E para o cabelo ficar bom". Ela curtiu e compartilhou.

Depois de ler o que eu escrevi, acendeu mais um cigarro e resolveu tomar aquelas duas latas de cerveja que restavam na geladeira. Quando estava assim, sozinha, preferia beber vinho, mas não ia arriscar abrir uma nova garrafa, já que amanhã era a inexorável segunda-feira. E já tinha feito merda o fim de semana inteiro, duas latinhas não iam configurar grandes perdas de estribeiras ou ganhos de peso.

Rita gostou do que eu disse, porque, assim como eu, gosta muito de reclamar e também se sente muito mal nos domingos e nas segundas-feiras.  Tem vontade de ficar doente e, talvez, de morrer um pouco para ver se o sentimento acachapante de para nada servir ia embora.  Ela se sente como morta por dentro e, muitas vezes, os dias passavam como fardos. Cada amanhecer era motivo para um muxoxo e um palavrão. 

Rita, tão ridícula, nem sequer existe como um ser único. Rita não sabe, mas é uma noiva de Frankenstein, uma colagem bizarra de várias mulheres e de tantas maluquices, que não sei como ela pode viver. Rita vive naquela casa que imaginei, com aquele corpo que sonhei e com todos os recalques que tive, que tenho e que terei, somados a historias que me contaram, a piadas das quais eu não ri, desilusões que não sofri, mas conheço alguém que sim.

Enquanto se diverte tomando suas cervejas chocas, Rita se pergunta o motivo de ser assim, tão negativa, por ter tão pouca vontade de viver. Enquanto ela está perdida nestes pensamento, penso que ela é uma coitada, que nem desconfia o que já fiz com esse nome. Com Rita, já batizei até uma faca que dormia comigo debaixo do colchão de minha casa, quando morava no Rio de Janeiro.

Rita não sabe, coitada, que já quis mata-la tantas e tantas vezes, mas não consigo. Tantas vezes quis me livrar dela, enfiá-la numa mala, sacudi-la pela janela, mas não consigo. E é por isso que a odeio, pois sei que ela é uma muleta, um salva vidas para quando minha cabeça não consegue pensar textos legíveis. Nestas horas eu a procuro e ela vem, sempre com algo para me dizer, para eu dizer.


*O texto não reflete, necessariamente, a opinião do Blog do Gabriel Diniz

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