O assistente administrativo Bruno Melo, 27 anos, pensou duas vezes em ir de moto a um show, no último dia 10. Mas o receio de ser parado numa blitz da lei seca, intensificada desde o dia 1º pelo governo do Estado, o fez desistir. Ele, então, deixou a Faser 250 cilindradas na garagem e reservou o dinheiro do táxi. A experiência da volta para casa, porém, além de desagradável, foi perigosa. Na companhia da esposa e de um casal de amigos, depois de esperar mais de 30 minutos, Bruno teve que andar do Centro de Convenções até o viaduto da PE-15, em Olinda, na busca por um táxi. Um trajeto de pouco mais de um quilômetro, às 4h30, num local ermo.
“Simplesmente não tinha táxi e os poucos que apareciam ainda escolhiam a corrida. Se fosse para perto, não levava. A gente teve que andar para ver se encontrava algum, antes que ele se aproximasse do lugar do show”, contou ele, na última quarta-feira, quando refez o percurso com o JC.
Com as confraternizações de fim de ano, Natal e réveillon batendo à porta, os recifenses podem se preparar para vivenciar situação semelhante à de Bruno. Embora a Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) sustente que há táxis em quantidade suficiente na capital, o fato é que o rigor na fiscalização da lei seca gerou uma necessidade imediata da população, principalmente nos fins de semana, ampliada nesta época do ano. Com um sistema de transporte público longe de ser eficiente, o cidadão fica emparedado. Quer deixar o carro em casa quando for beber, para fugir da multa de R$ 957,70 e da suspensão da carteira de habilitação por um ano, mas não encontra um serviço adequado. O Sindicato dos Taxistas de Pernambuco admite a dificuldade.
A frota do Recife tem 6.125 táxis, a mesma desde 1977, quando entrou em vigor a lei que disciplina a atividade no município. O artigo 2º diz que o número de carros deve ser proporcional à população, na razão de um para cada 300 habitantes. Mas, na falta de estudos técnicos e numa época em que concessão de táxi servia também como moeda política, a lei já nasceu desrespeitando a própria lei. O Recife do início da década de 1980, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), tinha 1.203.887 moradores. A proporção era de um táxi para cada 196 habitantes. Em 1995, o então prefeito Jarbas Vasconcelos, hoje senador pelo PMDB, assinou decreto proibindo novas permissões.
Hoje, numa cidade com 334 mil pessoas a mais, a proporção de táxi é de um para cada 251 habitantes. E uma praça, como são chamadas as concessões, pode custar até R$ 100 mil, quando se encontra alguma à venda. No Rio de Janeiro, cidade que exportou o modelo de lei seca hoje adotado em Pernambuco, há um táxi para cada 192 cariocas.
Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco e um dos diretores da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), César Cavalcanti acredita que a ausência de táxis nas ruas à noite, nesta época do ano, pode servir como um desestímulo para o cidadão cumprir a lei seca. Ele avalia que a carência é muito mais de gestão do que numérica. Embora seja um profissional autônomo, registra o professor, o taxista é antes de tudo um permissionário do município. César Cavalcanti sugere a revisão dos termos das concessões, como meio de ordenar o serviço.
Para reforçar a tese da necessidade de uma melhor gestão do serviço, ele cita como exemplo a cidade de Nova Iorque, com uma população de cerca de 8,1 milhões e 12 mil táxis. O dobro da frota recifense para atender uma população mais do que cinco vezes maior.
O superintendente da ANTP, Marcos Bicalho, segue o mesmo raciocínio. “É evidente que o aperto na lei seca gera uma demanda instantânea dos usuários. O serviço de táxis, de maneira geral, é pouco compreendido. Não é só um negócio feito com um carro. Mas um serviço público. Uma série de cidades tem normas, como escala de trabalho. A questão é que os táxis nunca foram uma pedra no sapato dos gestores, dos prefeitos. Antes, o problema eram as Kombis e as mototáxis”, analisa. Como boa iniciativa de gestão municipal na área, ele recorre a Palmas, capital do Tocantins. “Lá, quando há grandes eventos, a prefeitura monta pontos de táxi itinerante, com instalação de tendas identificadas e desmontadas após a programação.”
Do JC