AS MENINAS E OS KOMBEIROS (O famoso crime da Praia de Serrambi)

Por Augusto N. Sampaio Angelim

Hoje estão sendo julgados, na Cidade de Ipojuca, os irmãos Marcelo e Valfrido Lira, conhecidos pela imprensa pernambucana como os “irmãos kombeiros”, ou simplesmente os “kombeiros”, envolvidos numa trama policial improvável.

Antes de comentar o “Caso Serrambi”, duas palavrinhas sobre a cidade de Ipojuca, cujo Tribunal do Júri está julgando os kombeiros. Ipojuca, apesar de bastante industrializada, graças ao Porto de Suape e empreendimentos da magnitude do Estaleiro Atlântico-Sul e da construção da Refinaria Abreu e Lima, da Pretrobras, é mais conhecida por contas de suas maravilhosas praias de Porto de Galinhas, Maracaípe e Muro Alto. Serrambi é outra paradisíaca praia do município, cenário de tranqüilidade e destino de poucos afortunados que possuem casas em seu litoral ou podem se hospedar em seus resorts e hotéis de luxo.

Pois bem, nessa encantadora paisagem, no dia 02 de maio de 2003, duas lindas garotas recifenses de 16 anos de idade e de classe média, Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão, estavam passando o final de semana numa casa de praia de amigos. Participaram de um churrasco na casa de um jovem de classe média/alta, o Tiago Alencar Carneiro da Silva e, após isso, teriam ido passear de lancha até às praias de Porto de Galinhas e Maracaípe. No final da tarde, os outros jovens do grupo decidiram voltar para Serrambi, mas as garotas não retornaram, porém se diz que elas ligaram para o proprietário da casa aonde estavam hospedadas pedindo-lhe que fossem lhes buscar em Porto de Galinhas e daí em diante, as meninas desapareceram e seus amigos registraram tal fato na polícia.

O desaparecimento das meninas, por si só, já chamou a atenção da imprensa e, dez dias após os corpos de ambas foram encontrados na Praia de Camela, dentro do canavial, pelos pais de uma delas, o comerciante José Gusmão.

A partir daí o caso foi coberto de sensacionalismo, situação esta que se agravou quando a polícia civil concluiu que as meninas teriam sido assassinadas pelos kombeiros. Deu-se inicio a uma verdadeira queda-de-braço entre a polícia civil e o Promotor de Justiça da Comarca de Ipojuca, Dr. Miguel Sales, que pediu a devolução do inquérito policial, várias vezes, por não se convencer da linha que estava sendo trilhada pelos investigadores e, principalmente, porque não acreditava que os kombeiros fossem os autores da morte das meninas.

Testemunhas afirmaram que tinham visto as meninas entrando no veículo dos kombeiros e depois, a amante de um deles tinha sido encontrada usando os óculos de uma delas. As divergências entre os policiais e o Promotor cresceram tanto que se designou um Delegado da Polícia Federal, do Ceará, para comandar o inquérito e este terminou corroborando as provas já levantadas pela polícia civil pernambucana. Neste clima, a população se dividiu sobre o caso, dando-lhe contornos de luta de classe. Era um caso típico de ricos contra pobres. No imaginário popular, as meninas foram mortas por algum de seus amigos ou gente de sua mesma classe social e que a polícia estaria do lado dos mais fortes economicamente, encobrindo o(s) verdadeiro(s) criminoso(s).

Do lado da polícia, rebatiam-se essas insinuações e não foram poucas as vezes em que se disse que o Promotor de Justiça estaria se utilizando do caso para se promover eleitoralmente, já que iria disputar um mandato eletivo, daí apresentar para a população uma versão ao gosto popular.

Depois veio à tona o assassinato de outra mulher, ocorrido bem antes, no dia 14 de maio de 2000, desta feita na Cidade de Ribeirão, também no sul pernambucano e foi estabelecido um liame entre os crimes. Iraquitânia Maria da Silva, também jovem e sonhadora, como as meninas e, com apenas de 21 anos de idade, foi encontrada morta no canavial do Engenho Vicente Campelo, tal e qual os corpos das meninas, que foram localizados nas terras de um engenho do distrito de Camela. A diferença, é que Iraquitania, como o próprio nome já prenuncia, era pobre. Aliás, muito pobre. O que ligaria este crime de 2000 à morte das meninas? O principal acusado, foi o marido de Iraquitânia, que deixou órfãs duas meninas.

Quem? Sim, o marido. E daí? É que se tratava de Roberto Lira.

Perceberam? Lira. Bingo! Irmão dos kombeiros. Mas não era apenas o autor da morte que ligava os crimes, é que, na época, um dos kombeiros do caso Serrambi, Marcelo, foi apontado como co-autor do crime e, inclusive, que ele o irmão e um adolescente teriam levado Iraquitânia em sua Kombi até o local do crime. A semelhança como os crimes foram executados teria chamado a atenção dos investigadores. E, outra coincidência infeliz contra Marcelo, tanto no caso das meninas quanto no primeiro homicídio, o mesmo teria procurado se esconder na Cidade de Cachoerinha, no agreste de Pernambuco. No caso de Iraquitania, Marcelo terminou sendo absolvido mas, Roberto, o outro irmão, ainda hoje cumpre pena, já que foi condenado pelo Júri Popular.

A descoberta deste outro homicídio fez a balança pender contra os kombeiros, o que teria levado a mãe dos kombeiros, mesmo acreditando na inocência de seus filhos Marcelo e Valfrido, a afirmar que o ódio das pessoas por Roberto levou-as a consideram elescomo autores das mortes de Maria Eduarda e Tarsila.

Marcelo, hoje tem 41 anos de idade, cursou até a 1ª série do primário, morava no Distrito de Nossa Senhora do Ó, em Ipojuca, na época do crime e era casado e tinha quatro filhos e trabalhava como kombeiro. Depois, passou a viver como prestamista.

Valfrido, tem 42 anos de idade, cursou até a 2ª série do primeiro grau e começou a trabalhar como cortador de cana aos sete anos de idade. No tempo do crime, morava com a mulher e filhos, no distrito de Camela e trabalhava com o irmão na Kombi de lotação. Hoje, se encontra preso no Cotel, na região metropolitana do Recife.

Maria Eduarda, tinha 16 anos quando foi morta, era conhecida por “Mana” e estudava em colégio particular no Recife, sendo definida pela coordenadora da escola como “bastante sensível, chorava com facilidade” e que gostava de freqüentar o Shopping Center Recife aonde conheceu a outra amiga de infortúnio. Uma amiga dela, hoje com 23 anos de idade e cursando faculdade, lembra que quando eram meninas brincavam de boneca Barbie, em Gravatá, região serrana do agreste de Pernambuco. A amiga diz ainda se recordar da festa de quinze anos de Mana, ocorrida um ano antes do crime.

Tarsila, a outra adolescente, também estudava em colégio particular e gostava de freqüentar as matinês da boate Fashion Club, que existia no bairro da Boa Viagem. Era mais comunicativa que a amiga, mas logo fizeram amizade. Fez balé clássico na infância, mas, por conta dos estudos, deixou a dança de lado. Seus pais eram separados, pelo que morava com a mãe, no bairro de Setúbal. Sua mãe, Alza Gusmão, em 2005, foi morar nos Estados Unidos.

Como se observa nem mesmo o mais arguto roteirista de filmes policiais ou dramáticos poderia prevê que pessoas tão diferentes, pudessem ter seus destinos cruelmente ligados. Homens humildes, que, desde a infância, experimentaram as dores de uma vida material difícil, de um lado. Do outro, duas meninas na melhor fase da vida e desfrutando das comodidades materiais que as condições de seus pais permitiam. Num mesmo litoral, enquanto os kombeiros iam às praias transportando passageiros/banhistas das periferias das redondezas, as meninas, se divertiam em passeios de lancha, churrascos e outras comodidades. Com certeza, o litoral era mesmo, mas visto de forma diferente por estes personagens.

Além dos problemas causados pela disputa entre a Polícia e a Promotoria, outra polêmica acompanhou o caso: a divergência de opiniões entre os pais de Maria Eduarda sobre a autoria dos crimes. Dizem os jornais que, até hoje, a empresária Regina Lacerda ex-mulher de Antônio Dourado, ao contrário do marido, não acredita na culpa dos kombeiros.

Todos os jornais do Recife deram grandes manchetes ao caso neste final de semana, já que o julgamento começa hoje.

O DIÁRIO DE PERNAMBUCO estampou a seguinte chamada, ocupando meia folha de sua primeira página: “AS 27 PROVAS. O processo criminal mais conturbado da década em Pernambuco está bem perto do seu desfecho. Nesta segunda-feira, um júri popular começa a definir o futuro dos kombeiros Marcelo e Valfrido Lira, principais suspeitos pelo assassinato das jovens Tarsila e Maria Eduarda em 2003.

O Diário teve acesso a um relatório inédito com 27 indícios considerados decisivos para provar a culpa dos acusados. São depoimentos de parentes, gravações, contradições e antecedentes criminais. Informações que os promotores guardam como uma carta na manga para convencer os sete jurados a condenar os dois irmãos”.
Abaixo da manchete, fotografias dos irmãos, das vítimas, de duas testemunhas e do Delegado Aníbal Moura e do Promotor Miguel Sales que se confrontaram durante o inquérito policial.

Pelas lentes do velho Diário, o jornal mais antigo em circulação na América Latina,os kombeiros estão condenados.

A FOLHA DE PERNAMBUCO também dedicou metade de sua primeira página ao caso: “MARIA EDUARDA E TARSILA. AS BRECHAS DO CASO. O crime de maior repercussão em Pernambuco nos últimos anos começa a ser julgado amanhã. Veja as dúvidas, as contradições e os mistérios que cercam a morte das duas estudantes”. Na dúvida, a FP que é um periódico de maior apelo popular, com um caderno policial daqueles que, se torcer, cai sangue, foi mais cauteloso. Na capa, fotos das meninas, com Mana de tiara de brilhantes na cabeça, possivelmente tirada em sua festa de quinze anos e Tarsila em close no rosto, com olhar sensual.

O JORNAL DO COMMERCIO, também fez sua manchete de meia página: “GRAMPOS SÃO A CHAVE DO JULGAMENTO. Após anos de idas e vindas nas investigações, começa amanhã o júri dos kombeiros. Gravações telefônicas e feitas no carro dos acusados, muitas ainda desconhecidas do público, serão as principais armas da acusação”. Na capa duas fotos das meninas com os cabelos soltos e lindas, além de fotos atuais de Marcelo (com cabelos brancos) e Valfrido, como se estivesse pensativo e tristonho.

As manchetes do Diário de Pernambuco e do Jornal do Commercio são francamente desfavoráveis aos réus, já a Folha de Pernambuco, um jornal mais popular, foi mais cautelosa. Agora, fico a me perguntar se os jornais encamparam a tese da luta de classes. Será? Não sei, não é possível afirmar isto.

E quanto ao resultado do júri, Doutor? Também não sei. Dando uma zapeada pela internet, agora, vejo site do JConline, que a sessão do júri está bastante agitada e a defesa e acusação trocaram farpas durante o depoimento do Delegado da Polícia Federal que investigou o caso e está depondo em plenário. E que, inclusive, uma advogada de defesa dos acusados foi retirada da sala, por haver se dirigido diretamente aos jurados. Ou seja, haverá polêmica do começo ao fim.

Estamos diante de um “Thriller jurídico” que, se for transformado em livro, contará com advogados/promotores/estudantes de direito investigando o caso ou utilizando seus conhecimentos para solucioná-lo. De um lado haveria histórias de advogados lutando pela inocência desacreditada dos kombeiros e, do outro, os promotores que depois de Miguel Sales assumiram a acusação, tentando colocar uma pá de cal sobre as esperanças dos irmãos e, ao final, o grande público se dividindo sobre o julgamento, seja qual venha a ser seu resultado.

Mas, infelizmente, a história acima é real, isto é, as meninas foram assassinadas. Isto não é ficção. Quanto ao julgamento, vamos aguardar o Veredicto. Quem quiser, entretanto, faça suas apostas.

Postada por Gabriel Diniz

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