AGORA É CINZA


Escrevi uma crônica, faz tempo, reclamando por que o Recife não tinha crematório. E, em sinal de protesto, ameacei fazer a minha parte: só morrer quando tiver.

Depois disso, encontrei-me com o vereador Luciano Siqueira (na época vice-prefeito) e perguntei por que o Recife não tinha crematório. “Porque não é economicamente viável”, respondeu o comunista do B, citando o número necessário de cremações/mês para viabilizá-lo, precisamente como argumentaria um capitalista do A (americano). “Mas Salvador e Fortaleza têm”, provoquei. “Têm e dão prejuízo”, disse em tom categórico e conclusivo o marxista de inspiração albanesa.

Mas, pelo visto, além dos baianos e cearenses, os paraibanos também gostam do vermelho. Quero dizer, de ter prejuízo, perder dinheiro, operar no vermelho. Porque o crematório da Paraíba já tá moendo, ou melhor, queimando faz algum tempo. E andaram até atrás de mim, oferecendo os seus serviços. Devem ter lido minha crônica, espero. Por outro motivo é que não haveria de ser.

Por curiosidade, eu também andei atrás deles. Na internet. Não gostei de nada do que vi e ouvi no site. Não gostei do layout, dos textos, da musicazinha, de coisa alguma; achei tudo cafona e literatice de terceira (mas lhes dou o benefício da dúvida, em função da minha má vontade com o tema; quando eu for, esteja certo, caro leitor, fui cantarolando: “Eu não vou, vão me levando”).

Como no site não davam os preços nem detalhavam os serviços, telefonei. O negócio é o seguinte: a cremação, sem nenhum serviço extra (caixão, traslado, velório, bufê e, claro, a urna para as cinzas, que tem vários modelos, para todos os gostos e preços), custa R$ 2.500. É chegar, cremar e voltar com a urninha (pensei numa caixa de charutos Cohiba Esplendido) debaixo do braço. (E ainda dava pra parodiar Noel n’O orvalho vem caindo: “A minha urna é uma caixa de Cohiba”).

Andei fazendo umas continhas. E cremação pode sair bem mais em conta do que enterro. Não se precisa comprar túmulo, encomendar lápide (para depois roubarem as letras), pagar pela conservação e, findo o prazo, pela retirada dos ossos. É verdade que se tem que contratar um carro fúnebre para a viagem e aí lá se vão R$ 350. Mas, em compensação, economizam-se flores, coroas, cafezinho, água, essas coisas. O velório fica sendo na estrada, só os amigos mais íntimos e parentes em primeiro grau, seguindo o carro do morto em coluna indiana. Quatro pessoas por carro (ra-ra da gasolina). E aí, o caixão pode ser o mais baratinho, porque ninguém de cerimônia vai ver.

(Como no poema de Manuel Bandeira, quando o cortejo passar, os homens haverão de saudar o morto tirando o chapéu maquinalmente, distraídos, por que estarão todos voltados para a vida. Um, talvez, haverá de saudar a matéria que passa, agora liberta para sempre da alma extinta).

“Se a documentação estiver em ordem (certidão de óbito assinada por dois médicos) e a cremação agendada, chegando aqui, em duas horas, duas e pouco, o serviço estará prontinho”, garantiu o atendente do crematório paraibano O Caminho da Paz.

“Agora é cinza / Tudo acabado e nada mais.”

Por Joca Souza Leão, Publicitário
Publicado em seu blog "Crônicas do Joca"

Postar um comentário

Comente esta matéria

Postagem Anterior Próxima Postagem