Por Bruna Serra
Moradoras de Brasília Teimosa, célebre comunidade da Zona Sul do
Recife, oito mulheres com idade entre 70 e 80 anos compartilhavam na
última quarta-feira (24) um bolo de milho quentinho. A casa de número 14
da Rua Japerica virou ponto de encontro após elas descobrirem que foram
vítimas de um crime eleitoral.
As oito estão impedidas de votar, tirar passaporte, tomar posse em
cargo público ou participar de concursos. Não apresentaram as prestações
de contas da campanha eleitoral do ano passado. O curioso é que elas
dizem não saber que haviam disputado uma vaga na Câmara de Vereadores do
Recife. Mas disputaram. E mais: foram votadas.
Atendendo a um pedido de Elides Queiroz, famosa líder comunitária de
Brasília Teimosa, e de um homem identificado como Herberth Alexandre de
Barros Campos, as oito mulheres assinaram um documento com informações
sobre suas escolaridades.
“Ele foi na minha casa, ditou o que eu deveria escrever e depois pediu
que eu assinasse. Me disse que era apenas para reativar o meu cadastro
de filiação ao partido”, conta Maria da Paz do Nascimento, uma senhora
discreta e de óculos. Ela se referia a Herberth, que em 9 de janeiro
deste ano foi nomeado auxiliar no gabinete da vereadora Aline Mariano
(PSDB), líder da oposição. O cadastro em questão é o do PSDB do Recife.
De posse do atestado de escolaridade e com os números da identidade,
CPF e título de eleitor das oito mulheres, Elides Queiroz e Herberth
abriram contas bancárias na agência do Banco do Brasil da Avenida
Agamenon Magalhães. Em seguida, o registro de candidatura foi efetivado
com uma previsão de gastos de campanha entre R$ 300 mil e R$ 360 mil.
“Um dia eu estava lavando minha calçada, quando um vizinho apareceu e
perguntou: ‘Como a senhora se candidata a vereadora e nem avisa?’.
Fiquei achando que era brincadeira até que meu filho entrou na internet e
confirmou”, relata Sônia Lustosa, dona de casa na Rua Japerica e
primeira a descobrir o esquema.
Após comentar com a vizinhança o ocorrido, Abraão Lustosa, filho de
Sônia, descobriu as outras vítimas. Decidiram, então, procurar o
advogado Marcel Barbosa, que ingressou com a queixa crime junto ao
Tribunal Regional Eleitoral, sob o protocolo 191.299/2012, no dia 20 de
dezembro do ano passado. Aline Mariano é citada no processo como parte
beneficiada pela engenharia eleitoral praticada por seu assessor.
A motivação do esquema é simples. Para evitar que partidos ou
coligações sejam dominados somente por homens, a legislação eleitoral
exige uma participação mínima de 30% de mulheres no total de candidatos
inscritos. Foi justamente para cumprir a determinação que os partidários
da vereadora inscreveram as oito mulheres como candidatas.
“Não tenho nem um real no banco. De repente vejo meu nome na Internet
com R$ 360 mil para prestar contas. De onde vou tirar um dinheiro
desses?”, indagou Iraci Rita da Silva Melo.
Outras vítimas, Maria Cleópatra Braz e Maria Luiza Moreira dos Prazeres
ainda conseguiram dois votos cada uma. “Como é que pode isso?”,
questionou Maria do Livramento Costa, última a chegar ao encontro por
causa de dificuldades de locomoção. Ela tem 76 anos.
Mais nova entre as candidatas virtuais, Risonelma Bezerra carrega os
documentos que provam que sua assinatura na carteira de identidade e na
ficha de candidatura são grosseiramente diferentes. “Sou muita amiga do
filho de dona Elides e só assinei esse documento porque confiei. Ele foi
na minha casa e até foto de celular tirou. Depois descobri que era a
foto da urna”, conta.
DILIGÊNCIAS
O crime vem sendo investigado pela Polícia Federal e deve ser julgado
na esfera eleitoral. Assim que recebeu o processo em seu gabinete, o
presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), desembargador Ricardo
Paes Barreto, encaminhou-o à polícia.
O caso ainda está em fase de inquérito e algumas diligências estão
sendo realizadas para esclarecer detalhes. A queixa-crime impetrada
conjuntamente pelas oito mulheres pede o indiciamento de Elides Queiroz e
Herberth Alexandre por falsidade ideológica e estelionato.
Aline Mariano é citada como beneficiária do golpe, mas novas
diligências realizadas pela PF irão averiguar se há o envolvimento da
vereadora com os responsáveis por coletar as assinaturas e fazer o
registro das candidaturas.
Do Jornal do Commercio / Foto: Edmar Melo