Lixo de Ipojuca escorre para praia vizinha a Porto de Galinhas
Por Letícia Lins
Um mar de moscas, montanhas de detritos de todos os tipos, cheiro de carniça e gente disputando espaço com uma nuvem negra de urubus em meio a tratores que apenas empurram o lixo de um lado para outro. É assim que funciona o que deveria ser um aterro sanitário, para cuja implantação a Funasa destinou R$1 milhão.
O lixo é despejado no alto de uma colina, de cujas encostas escorre o chorume que termina no rio Maria Velha, um pequeno afluente do rio Merepe que deságua na praia de Muro Alto. Esta fica vizinha à famosa Porto de Galinhas, onde se concentram os principais e mais luxuosos resorts do litoral Sul de Pernambuco. Coincidência ou não, as areias do que já foi um paraíso já não são tão brancas e finas como costuma exaltar a propaganda oficial.
Segundo a prefeitura de Ipojuca, o município de 80.637 habitantes produz 3 mil toneladas de lixo doméstico por mês. O secretário adjunto de Infraestrutura, Alcindo Dantas, garante que a coleta cobre 100% da cidade, mas não sabe informar o destino do lixo industrial de Suape, complexo portuário que também fica no município.
Todos os detritos coletados pela prefeitura são atirados ao ar livre sem nenhum tratamento, entre os engenhos Água Fria e Caetés, a sete quilômetros da rodovia que dá acesso à praia de Porto de Galinhas. E chegam em caminhões em cujas caçambas há fotografias dos atrativos turísticos de Ipojuca, inclusive o mar cristalino e as piscinas dos arrecifes de coral de Porto de Galinhas. As imagens paradisíacas nos caminhões contrastam com o que se vê no meio do canavial.
— Antes, os manguezais que ficam em Porto de Galinhas pareciam um tapete vermelho de tanto aratu, mas hoje nem unha de velho a gente acha — afirma Hilário da Silva, presidente da Associação de Pescadores de Áreas de Manguezais em Ipojuca, referindo-se ao crustáceo antes muito comum na região e a um molusco parecido com marisco, muito apreciado no Nordeste.
De acordo com a prefeitura, a obra chegou a ser iniciada, mas foi interrompida porque os catadores não saíram do lixão. Versão contestada pelos homens que vivem na área.
— Todo mundo aqui é humilde e gente de bem. A gente vive do que cata, é tudo trabalhador. Ninguém tem ajuda de nada e pobre não é ninguém e nem tem poder para impedir construção de aterro. Eles comeram o dinheiro e vêm botar a culpa na gente — reclama José Messias de Souza, de 32 anos, ex-cortador de cana e catador há 20.
A prefeitura informou que trabalha no projeto de um segundo aterro sanitário — "mais adequado à realidade atual" — e responsabilizou o governo de Pernambuco pelo fracasso do primeiro. A Companhia Estadual de Habitação e Obras (Cehab) confirmou que recebeu recursos da Funasa. Mas garantiu que "prestou contas dos recursos recebidos para a execução do sistema de resíduos sólidos (aterro sanitário) no município de Ipojuca". Em nota, acrescentou que "os recursos foram repassados em 2005 à Cehab e de acordo com o contrato a obra deveria ser executada em 150 dias corridos. No atual governo, após constatar que a obra não havia sido executada, os valores foram devolvidos ao Governo Federal."
A situação de Ipojuca difere por completo da de Gravatá, na região agreste, onde um aterro sanitário verdadeiro funciona tão bem, que é cercado por quatro condomínios de luxo. Ele é formado por oito células, distribuídas em dez hectares e foi inaugurado em 2000. Sua implantação custou R$ 480 mil provenientes do Ministério da Saúde e do Ministério do Meio Ambiente. Por conta desse aterro, que traz vantagens para o meio ambiente, a prefeitura tem direito a um incentivo do governo do estado, o ICMS ambiental, uma espécie de crédito "verde" que rende, em média, R$ 2 milhões aos cofres municipais por ano.
Foto: Hans von Manteuffel
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