Durante 30 anos, a lembrança que a assistente social Maria Cícera de Lima, de 35 anos, teve da mãe, Geny Maria de Lima, 69, foi uma fotografia antiga, que sequer mostra o rosto da genitora. No retrato 10x15, aparece Maria Cícera com uns 3 anos, montada em um bode e apenas parte do corpo de Geny Maria aparece ao lado da filha. No fundo, a casa onde elas moravam, em Escada, na Zona da Mata Sul de Pernambuco.
Maria Cícera e os quatro irmãos se afastaram da mãe, quando ela foi expulsa de casa pelo pai após uma briga. Na época, Maria Cícera tinha 5 anos. Desde então, passaram-se 30 natais de saudade e esperança de um dia se reencontrarem. “O Natal nunca era completo para mim. Sempre tinha aquela tristeza guardada”, lembra a filha.
A expressão de melancolia muda para uma de felicidade no mesmo instante em que ela planeja o Natal deste ano, o primeiro ao lado da mãe, após o reencontro, que aconteceu em outubro. “O sonho da minha vida era rever minha mãe e eu realizei. Este vai ser o melhor fim de ano que eu já tive com certeza”.
“Passamos dias para encontrar os dados dela, porque eu não sabia o ano do nascimento. Tive coragem de perguntar para meu pai e ele só disse que ela era mais velha do que ele. Então fomos colocando ano por ano até que encontrarmos”. A Certidão de Voto disponibilizada no site do TRE indicava que dona Geny morava em Água Preta desde 1986.
Um ano depois, com a ajuda de uma amiga, a analista de farmácia Marisa Fabiana Caetano de Souza, 37, Maria Cícera percorreu os 102 quilômetros que separam Recife de Água Preta disposta a bater de porta em porta atrás de todas as Genys da cidade.
“Eu não sabia a situação em que minha mãe estava vivendo, se as pessoas sabiam que ela tinha cinco filhos, então inventei que tinha uma encomenda para entregar a ela. Eu achava que ia encontrar uma senhora bem velhinha, que talvez nem iria me reconhecer”, conta.
Foram quase cinco horas procurando. Um dos moradores disse que uma Geny tinha se mudado para Palmares. Desolada, Maria Cícera decidiu que ia deixar um recado na rádio da cidade dizendo que estava procurando a mãe e voltar para casa.
A amiga Marisa lembra o clima de decepção. “A gente já estava indo para Palmares, quando eu disse que a gente tinha que voltar para Água Preta. Sugeri que a gente dissesse a verdade, que Maria Cícera estava procurando e mãe e não que ela tinha uma encomenda para entregar”. A decisão foi certeira. O grupo retornou à primeira casa onde bateram, contando a história e descobriram o endereço de Geny.
“Sempre que a gente entrava nas casas, eu ia antes de Cícera para preparar o terreno. Quando eu entrei na casa da mãe dela, logo vi que era a pessoa certa. Elas são muito parecidas. Antes que eu falasse qualquer coisa, Cícera entrou na casa e abraçou a mãe. E dona Geny reconheceu Cícera na mesma hora em que viu. Ela disse ‘Vanda’, o nome que ia ser de Cícera”, conta a amiga Marisa Fabiana.
Dona Geny não conteve a emoção. “Quase todos os dias eu sentava na porta de casa e ficava olhando a rua, esperando minhas filhas chegarem. Eu ouvia o programa de rádio esperando que alguém dissesse o nome delas. Nunca tive chance de ir atrás delas, porque meu segundo marido não deixava. Eu tive mais cinco filhos deste outro casamento e tinha medo de perder eles também. Mas elas me encontraram”, fala emocionada. Ela conta ainda que pendurou na parede da casa onde mora uma foto dos filhos que precisou deixar para provar que ela era mãe deles, caso um dia a família se reencontrasse.
Dona Geny foi viver na residência do pai, em Ribeirão, na Mata Sul do Estado, quando o marido a expulsou, proibida de levar os filhos pequenos. Assim como a Maria Cícera, precisou trabalhar no campo para ajudar a família. Ainda passou uma temporada em outras cidades até casar novamente e parar em Água Preta.
O fim de ano da família já está marcado na casa de dona Geny, que, pela primeira vez, vai reunir os dez filhos. “Mãe, vai caber todo mundo?”, questiona Maria Cícera preocupada e animada ao mesmo tempo. “Cabe todo mundo, sim, a gente dá um jeito. Eu quero é ver minha mesa cheia de gente, completa, aquele barulho de casa cheia”, responde dona Geny despreocupada.
Do JC