Carta aberta para a Meretíssima Juíza de Direito, Dra. Mônica Soares Machado Alves Ferreira

Por Eduardo Barros Pinto

Eu tenho certeza que a senhora sabe melhor do que eu que o Brasil é um país injusto, desumano e despreparado. O que eu não tenho certeza é se a senhora sabe que seu trabalho é um dos principais responsáveis por isso. Também não sei qual a sua disposição em ler as causas que julga, de modo que vou relembrá-la nas linhas abaixo.

No dia 15 de maio de 2011, ao desembarcar em Belo Horizonte, constatei violação na minha bagagem e furto de apenas uma camiseta. Depois de verificado o ato ilícito, tomei todas as medidas legais possíveis: acionei a WebJet, acionei a Anac, fiz boletim de ocorrência e entrei com uma ação no Juizado Especial Cível de São Paulo.

No último dia 15 de setembro houve a audiência de conciliação, na qual a ré não apresentou qualquer tipo de acordo. Ontem, no dia 10 de outubro, ocorreu a audiência para julgamento, em que a senhora surpreendentemente deu ganho de causa à WebJet Linhas Aéreas Inteligentes.

Eu gostaria que a senhora soubesse que não acionei a Justiça por causa de uma camiseta. Não gastei todas aquelas horas, em todos aqueles procedimentos burocráticos, por causa de uma camiseta. Não perdi duas tardes de trabalho em audiências estéreis por causa de uma camiseta. Eu acionei a Justiça porque, além de estar em meu direito, como vítima de ato ilícito, considero também meu dever de cidadão fazer o possível para punir os maus prestadores de serviço e assim contribuir para que neste país as empresas passem a respeitar um pouco mais seus clientes. Coisa rara.

Não sei se no mundo dos Juízes é possível perceber essas coisas, mas fique sabendo a senhora que o Brasil é o país das empresas de telefonia móvel mais incompetentes do planeta, das instituições financeiras mais gananciosas, das operadoras de TV a cabo mais mentirosas, das companhias de aviação civil mais amadoras. Estas empresas não se tornarão melhores por causa de uma crise de consciência, nem por imposição do governo ou coisa que o valha. A única solução é a pressão popular, a pressão dos consumidores, seja em suas decisões de compra, seja com o respaldo da Justiça. Pelo menos eu pensava assim, quando ainda acreditava haver solução.

Por isso tentei exercer minha cidadania. Tentei fazer a minha parte, mesmo a minha parte sendo tão insignificante nesta imensidão de injustiça que é o Brasil.

Não creio que a indenização sirva apenas como reparação comercial. A Justição não é, ou não deveria ser, um balcão para transações comerciais. Eu não estava negociando uma camiseta perdida. Eu estava lutando por Justiça. Eu estava contando que a instituição que a senhora representa exerceria o poder que lhe cabe para punir o culpado e reparar a vítima, de modo a repreender o erro e estimular a reeducação de quem errou.

Mas é claro que não obtive sucesso.

Segundo suas próprias palavras, meritíssima, “não se descrê da ocorrência do furto na medida em que não se disporia o requerente à movimentação do aparato judicial caso, de fato, não tivesse havido a ocorrência de que reclama, evidenciando-se a má prestação do serviço ensejadora de reparação material relacionada à perda da camisa”. No entanto, digníssima, mesmo reconhecendo o furto, a senhora não me considerou digno de ressarcimento, pois, de acordo com suas palavras pomposas e arcaicas, eu não trazia provas contundentes nem tampouco fora vítima de prejuízo significativo.

Ora, quais provas do furto a senhora esperaria receber? A senhora acha viável que todo passageiro solicite à atendente de check-in que confira cada item presente no interior da bagagem? Acha que alguém faria isso? E, se o fizesse, acha que alguém assinaria um documento atestando aquela conferência? Talvez a senhora esperasse que eu pedisse à funcionária da companhia aérea que rubricasse cada uma das peças do meu vestuário. Posso imaginar a mocinha atenciosa assinando minhas cuecas sobre o balcão, enquanto a fila de passageiros impacientes se alonga às nossas costas. Afinal de contas, meritíssima, qual seria esta prova? Uma foto de cada item? Um anão que viajasse no compartimento laterial da mala para servir como testemunha? Gostaria de saber qual seria esta prova que me tornaria digno de ressarcimento pelo prejuízo.

Eu sei que tenho dez dias para contestar sua decisão. Mas fique sabendo a senhora que não o farei. Sabe por quê? Porque me enoja entrar em um tribunal de justiça, me enoja olhar para aquelas mobílias carunchadas, para os documentos empilhados em pastas de papel velhas e rasgadas, me enoja ter que lidar com funcionários públicos despreparados, amargos e com caras de bunda, me enoja pegar um elevador sujo e barulhento, aguardar numa sala de espera com revistas antigas, cadeiras com estofado rasgado, sentindo o mal cheiro do banheiro minúsculo ao lado; me enoja reparar nos sapatos detonados de advogados de quinta categoria, e me enoja mais ainda ouvir as pessoas ao redor conjungando tudo no gerúndio; me enoja entrar na sala de audiência e escutar o computador chiando de tão velho, me enoja olhar ao redor e constatar que tudo ali tem aparência de ultrapassado. E sabe o que me enoja mais ainda? Ter a certeza de que todo esse espaço podre e decadente é ainda melhor que a instituição que dele se ocupa.

Pois bem, doutoríssima, não lhe darei o trabalho da contestação. A justiça venceu, como sempre. A WebJet venceu, a incompetência venceu, a burocracia venceu. O culpado levou o prêmio. O inocente saiu do tribunal como um imbecil ingênuo. Não há fórmula melhor para a barbárie.

Fique sabendo a senhora que seu nobre trabalho contribuiu na tarde de hoje para estimular as empresas aéreas a seguir prestando este serviço péssimo e desrespeitador que é sua marca registrada. Sua negligência, ou incompetência, ou preguiça, representa uma carta branca para que quem erra e desrespeita continue errando e desrespeitando.

Da minha parte, posso dizer que, caso um dia esta carta chegue aos seus olhos, adoraria ser processado pela digníssima. Seria mais uma prova da presença do autoritarismo, da cegueira e da inversão de valores no DNA da Justiça brasileira.

E, antes de me despedir, sugiro que a senhora ande sempre com a bolsa fechada. E com uma lista detalhada de cada um dos itens que carrega dentro dela. Em papel timbrado, com firma reconhecida. Ou julgamento que tem juízes como vítimas é diferente?

Sem mais.

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