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CRÔNICAS DA CIDADE


Vocês, jovens, não fazem ideia do que era ser cronista de jornal e revista até pouco tempo atrás. E de crônica diária, então! Aquilo é que era prestígio. E poder.

Eu conheci um desses monstros sagrados. Chamava-se Mário Melo. Sempre de “cabelos desgrenhados”, como descreveu Nelson Ferreira num frevo; ou, como anotou Homero Fonseca num artigo, “homem elétrico, agitado e incansável.”

Ele morava perto lá de casa, no Espinheiro, Rua da Hora esquina com Santo Elias. Eu sabia que era um sujeito importante, mas menino não dá bola pra essas coisas (famoso pra mim era Jerônimo, o herói do sertão, na novela de rádio, na voz de Geraldo Liberal). Quando ele morreu, em 1959, e virou frevo, foi que me dei conta do quanto era importante: “Cadê Mário Melo? / Partiu para eternidade (...)”

Mário Melo escrevia para o Diário. Mas brigou, simplesmente, com o dono do jornal, Assis Chateaubriand. Aí, dizem, Dr. Pessoa (Francisco Pessoa de Queiroz), dono do Jornal do Commercio, mandou um recado: “Diga a Mário que venha pra cá; aqui ele pode falar mal de quem quiser, até de mim.” Mário foi. E passou mais de 25 anos assinando a Crônica da cidade no JC.

Quem pode pode; quem não pode se sacode. Mário podia. Quem pensa que é de hoje a intenção da Santa Casa de vender os nove hectares do Hospital da Tamarineira tá redondamente enganado. A vontade vem de longe. “Pretende-se, para fins comerciais, mutilar o centenário Sítio da Tamarineira, o que absolutamente não se justifica (...). O Sítio, onde mais tarde se construiu o Hospital, existia, conforme documentação no Instituto Arqueológico, de 1824, com seus limites atuais”, denunciou e reivindicou ele numa crônica. E todas as vezes que a Santa Casa (com a sua devota santidade) se mexia pra vender a Tamarineira, ele batia na mesma tecla. Pau na moleira!

Quase que Alagoas dá três presidentes e Pernambuco nenhum. Não fosse a presença de Mário Melo na comissão incumbida de demarcar a fronteira entre Alagoas e Pernambuco, Alagoas teria levado Garanhuns (e Caetés iria de quebra). Alagoas seria, então, terra dos marechais e do metalúrgico: Deodoro, Floriano e Lula.

Todas as vezes que você passar pelo Espinheiro e avistar aquela gameleira plantada bem no meio da rua, ao lado da igreja, lembre de Mário Melo, que até revólver pôs nos quartos para defender a árvore originalmente plantada, que os vândalos oficiais queriam derrubar. Quando ela morreu de morte natural, anos depois da morte de Mário, ninguém teve coragem de asfaltar o espaço; plantaram outra, que é a que está lá até hoje. (Lembrei dessa história relendo a biografia Cadê Mário Melo, de Rostand Paraíso, um craque em tudo que faz e escreve).

E o açude de Apipucos? Pois é, os gênios de plantão queriam aterrar e lotear. Em nome do progresso, como sempre. Mário entrou na refrega. E ganhou a parada.

Já imaginou se Mário tivesse visto a casa onde nasceu Manuel Bandeira pintada com as cores de uma faculdade, como se fosse um outdoor? E se visse a cafonice suprema: os edifícios do Centro do Recife pintados de pink e lilás?

“De braços para o alto, / cabelos desgrenhados, / lá vem Mário!”

Por Joca Souza Leão, Publicitário e Cronista
Publicado no seu Blog "Crônicas do Joca"

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