Merenda: uma questão de gestão

Por Fernando Freire

Assistimos estarrecidos à reportagem do “Fantástico”, domingo último passado, que visitou mais de 50 escolas públicas - estaduais e municipais - de cinco estados: São Paulo, Goiás, Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia, registrando o pouco caso com a merenda escolar. Numa amostragem de como um dos maiores programas de transferência direta de recursos do mundo padece e agoniza.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar, criado em 1955, garante a alimentação escolar dos alunos de toda a educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos) matriculados em escolas públicas e filantrópicas.

O referido programa tem caráter suplementar, como determina o artigo 208, incisos IV e VII, da Constituição Federal, que diz ser dever do Estado (união, estados e municípios) a garantia do material didático-escolar, transporte, alimentação e a assistência à saúde.

Há onze anos, iniciou-se uma fase de maior participação no controle social dos recursos destinados à compra da merenda escolar, com o advento da Medida Provisória MP 1979-19/2000, que instituiu os Conselhos de Alimentação Escolar - CAEs, compostos por pais de alunos, representantes dos professores, sociedade civil organizada e representantes dos poderes Executivo e Legislativo. Foi um grande avanço de legalidade.

Em 2009 a Lei 11.947 progrediu ainda mais na tentativa de consolidar um maior controle sobre as ações voltadas à merenda escolar. Maior participação das nutricionistas, maior controle de produtos, maior oferta de frutas e verduras, inclusão da agricultura familiar, destinando 30% dos recursos oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE aos produtos da agricultura familiar, para citar alguns.

O fato relevante a se destacar é que o PNAE, como é conhecido tecnicamente o programa da merenda, atende aos requisitos de legalidade, com uma legislação extensa e por vezes dura com relação ao infrator. Acontece que o maior percentual de erros está na gestão e principalmente na conduta do gestor público, que ainda está muito distante de cumprir as exigências que a norma aponta.

E vale destacar que não é por falta de vontade ou de compromisso da maioria dos profissionais de educação e sim da letargia de alguns dirigentes públicos, que não investem na formação e capacitação do seu corpo técnico administrativo.

O desmando na merenda é consequência direta do descaso com o servidor. Escolas desaparelhadas forçam o profissional a tentar o improviso e em se tratando de alimentação, um item tão caro sob todos os aspectos, improvisar não é o caminho. A licitação de menor preço favorece a ineficiência do sistema. Compra-se mal e justifica-se que foi mais barato. Não se oferta tratamento desigual aos desiguais, forçando municípios mais pobres às mesmas regras dos mais ricos.

Os tribunais de contas e ministérios públicos devem aumentar suas ações proativas, as escolas de contas, as prefeituras e os estados oferecerem mais cursos de orçamento e finanças públicas, processos de contratação pública, direito educacional e introdução ao direito público para que os seus agentes possam melhor entender o seu papel no desempenho da gestão pública.

Recursos destinados à formação e ao controle servem a um só tempo a gestão e a fiscalização. Servidor preparado é imune a certos tipos de condutas, por que sabe o peso da sanção imposta.

O nosso Estado é grande e desorganizado. Como vamos preparar cidadãos se não conseguimos formar os profissionais necessários ao bom funcionamento das escolas? A merenda é só uma porta para um assustador cenário de desequilíbrio entre o momento em que vivemos e aquilo que pretendemos ser. A escola não é mais a mesma, os alunos não são mais os mesmos e o corpo administrativo tem que estar apto a essa nova realidade.

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Fernando Freire é consultor e sócio da SIGMATEC
fernandofreire@sigmatecbrasil.com.

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