Flagrantes revelam mais desrespeito ao cidadão nas delegacias do Brasil

Do G1

Num acidente grave em uma das principais rodovias do estado de Goiás, um jovem de 25 anos bate de frente com um caminhão e morre no local. A pista fica fechada. A equipe de reportagem passou a noite no acostamento e registrou quanto tempo os peritos demoram para chegar e retirar o corpo.

O Instituto Médico Legal (IML) chegou às 4h30, quase sete horas depois do acidente. O acidente foi na cidade de Cristalina, mas o atendimento é responsabilidade do IML de Luziânia, que fica a 100 quilômetros do local.

A equipe de reportagem também acompanhou o drama de uma mãe. O filho foi assassinado na cidade de Santo Antônio do Descoberto, também em Goiás. A cidade não tem delegado, e a mãe teve de esperar por quase cinco horas a chegada do IML, que fica a mais de 90 quilômetros. “Já teria de ter recolhido. Isso aí é falta de humanidade, isso é desumano”, lamentou a mãe do rapaz, Sandra Helena da Silva.

No domingo (30), a reportagem da TV Globo mostrou uma radiografia desse tipo de atendimento e da falta de estrutura das delegacias em todo o Brasil. A equipe de reportagem visitou as regiões Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste. No Maranhão, a precariedade impressiona.

Toda vez que um policial precisa atender a uma ocorrência, a delegacia fica fechada. É a delegacia da cidade de Miranda de Norte, no interior do estado. No fundo estão 27 presos “Aqui é preso meio comportado. Ninguém quer fugir. Se quisesse fugir, já tinha mandado embora”, diz um preso.

Próximo de Miranda do Norte, no município de Bacabal, uma imagem chocante: detentos em jaulas, como se fossem bichos. “Desejava mais morrer do que ficar aqui dentro, nesse sofrimento”, disse um preso.

Homens são presos sem ordem judicial. Um se envolveu numa briga de bar e outro, numa tentativa de furto. “Ela é destinada ao banho de sol e ao encontro de visitantes, mas na verdade aquilo funciona como um depósito para colocar presos”, afirma Amon Jessen, presidente do Sindicato dos Delegados do Maranhão.

Até quinta-feira passada (13) as detentas de Santa Inês, também no Maranhão, ficavam no mesmo prédio dos homens, em uma cela improvisada. Sem banheiro, elas usavam um balde. Depois que a Secretaria de Segurança do Maranhão foi informada sobre a reportagem, as presas foram transferidas.

O fazendeiro suspeito de matar funcionários e que estava foragido há dois anos foi preso. Uma semana antes, a equipe de reportagem o encontrou num bar, bem tranquilo. O Fantástico também mostrou que na maior cidade do país a reclamação é na demora no atendimento. “Por enquanto não tem previsão. Só Deus sabe”, comentou um senhor.

Com uma câmera escondida, o produtor do Fantástico simula que quer registrar uma ocorrência em uma delegacia de São Paulo. Diz que o pai, de 70 anos, teve os documentos roubados. A equipe de reportagem foi em sete delegacias em dois dias, e sempre a mesma desculpa. “Vai demorar pelo menos umas quatro horas para mais para o senhor ser atendido”, disse um funcionário.

A equipe foi também nos distritos policiais que fecham às 20h. O produtor chega meia hora antes de encerrar o expediente, e o policial mente para não registrar a ocorrência: “Aqui a delegacia fecha às 20h. O sistema já finalizou. Ele fecha um pouquinho antes. Deu 19h30, 19h35, e já finalizou”.

Mas o sistema funciona 24 horas. O Bom Dia Brasil fez um teste parecido em Goiás. A equipe de reportagem foi a três delegacias na região de Luziânia. Na primeira, um bom exemplo: 15 minutos para fazer um boletim de ocorrência sobre roubo de documento.

Na segunda, o policial nem abre a delegacia. Pela janela mesmo diz que não pode registrar o boletim. “Só pela internet. Extravio de documento só pela internet”, disse um policial.

No ultimo distrito, um absurdo. “Em Goiás, desde 2004 que não se registra mais esse tipo de ocorrência em delegacia. Só acidente de trânsito sem vítima. Extravio de documento, só pela internet. Se não tiver, vai ter de pagar ‘dois conto’ na lan house”, declarou outro policial.

Segundo o secretário de Segurança de Goiás, João Furtado de Mendonça Neto, as delegacias são obrigadas a registrar qualquer tipo de ocorrência. “A orientação que dou para todos os servidores da Secretaria de Segurança Pública é que atenda prontamente todas as pessoas que necessitem de auxilio ou de atendimento à ocorrência”, afirmou.

Para a pesquisadora Paula Ballesteros, do núcleo de violência da Universidade de São Paulo (USP), a polícia precisa treinar funcionários, investir na estrutura das delegacias e, principalmente, conquistar a confiança da população.

“Tem de saber lidar com o cidadão, tem de saber lidar com a pessoa que vai até a delegacia, porque ela não vai porque quer. Se você prestar assistência inicial e um encaminhamento, ela se sente bem acolhida, independentemente de depois resultar numa solução para o problema”, acredita Paula Ballesteros.

Todas as secretarias de segurança responsáveis pelas delegacias mostradas na reportagem prometeram tomar providências.

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