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Exercício Inútil

Por Joca Souza Leão
Postagem Gabriel Diniz


Fala sério! Que danado se passa na cabeça de um candidato em vésperas de eleição? À luz (luz?) de alguns indícios e circunstâncias, fiz o exercício (inútil, reconheço, absolutamente inútil) de perscrutar, para tentar penetrar no âmago de sua mente e especular sobre suas convicções e motivações, nem sempre saudáveis nem minimamente razoáveis ou lógicas, para conquistar votos.

Esta semana, eu tava na cama depois do almoço, curtindo uma gripe daquelas de nariz entupidaço, tosse seca, febre e astenia até na alma, depois de uma noite pessimamente dormida, quando passou a porra de um carro de som por baixo do meu travesseiro. Passou, não. Parou. E ficou lá, repetindo até encher o saco, a todo volume, um jingle insuportável, com o nome e o número de um candidato a deputado, ilustre desconhecido (não sei quem inventou essa asneira de desconhecido ser ilustre, mas o fato é que quando a gente diz ou escreve “desconhecido”, o “ilustre” se oferece para antecedê-lo).

O que se passa na cabeça do sacripanta candidato (ou candidato sacripanta) para azucrinar o juízo do eleitor? Óbvio, pô! Sacanear com a gente. “Como esses sacanas não vão mesmo votar em mim, eles vão ver o que é bom pra tosse...” (e se o cidadão estiver resfriado quiném eu tava, terá, mesmo, sucessivos acessos – de tosse e de raiva).

E as convenções partidárias, hein? São piores ainda. Teve uma aqui perto de casa no final de junho. Mas, quem sou eu pra reclamar? Nas redondezas existem pessoas mil vezes mais incomodáveis. São vários hospitais e escolas, além de milhares de residências (com velhinhos, crianças, bebês e gente talvez mais doente do que eu com meu modesto resfriado). “Então, vamos soltar fogos! Muitos fogos! De estouro, claro. Uma salva de quinze em quinze minutos, durante todo o dia. E quando o candidato chegar, no final da tarde, a apoteose: dez minutos de ininterrupto bombardeio”. Isso, para infernizar a vida dos moradores e de quem trabalha ou estuda por aqui. E em relação aos transeuntes, nada? “Tudo! Vamos estacionar mais de cem ônibus nas cercanias. Isso deve ser o bastante pra dar um nó no trânsito de toda a região. Nossa convenção será inesquecível.” E foi.

Como você vê, é fácil sacar o que se passa na cabeça dessa gente. Outro dia, dei-me à pachorra de contar o número de cavaletes, um encostado no outro, todos do mesmo candidato, na calçada de uma avenida: 36. Isso, trinta e seis cavaletes, um colado no outro. É ilegal. Mas e daí? “É a repetição da mensagem que consolida o voto”, diz o capadócio candidato, com impudente convicção.

Aliás, os candidatos (e seus marqueteiros) repetem lendas na esperança de que, com a repetição, se tornem verdades. Uma delas, atribuem a Joseph Goebbels, o ministro da propaganda do 3º Reich de Hitler (como se vê, os caras tentam se inspirar em gente da melhor qualidade): “De tanto repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade”. Não foi bem isso que disse o nobre colega. Mas, “Uma grande mentira sempre tem certa credibilidade”. Desde que verossímil, pertinente e aderente, obviamente. Pode-se repetir um milhão de vezes que borboleta é ave que ninguém vai acreditar. Todo mundo sabe que “borboleta só é ave na cabeça da mulher”, como diz o frevo de Capiba. Agora, se repetirem por aí que Paulo Maluf passou pelo Mercado de São José e roubou uma porrada de frangos, é verossímil; ele já roubou frango antes (da merenda escolar, lembra?). E por isso mesmo tá inelegível; é, finalmente, reconhecido oficialmente como ficha suja, imunda, podre.

Goebbels era um camarada perverso, mas não era bobo de afirmar uma bobagem como essa de que mentira repetida vira verdade. O rapaz conhecia teoria e prática da comunicação como gente grande.

Daqui uns dias, felizmente, acaba o período da propaganda eleitoral e a vida no Recife volta à sonoplastia normal: carrocinhas e bicicletas vendendo CD pirata com o som nas alturas, locutores de lojas fazendo pregão nas calçadas, música ao vivo em bares localizados em bairros residenciais, carros com caixas de som na mala e picapes, na carroceria, alto-falantes em igrejas evangélicas e, claro, carro de som anunciando a mais nova porcaria ao lado da sua casa, com preços de lançamento: “Aproveite!”

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