Casa-grande & burrice
Por Joca Souza Leão
Derrubaram a casa-grande do Engenho São Bartolomeu, em Jaboatão. Derrubaram, não. O dono derrubou. E Dr. Marcos Albuquerque disse que considerava a demolição “um crime”.
Dr. Marcos é professor de História e chefe do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco. Ele pode dizer o que pensa. Eu, não. Corro o risco de ser processado, como já fui. Ou melhor, continuo sendo; das quatro ações movidas contra mim, uma continua rolando há quase quatro anos (simplesmente porque eu disse o que pensava: pintar imóveis históricos como se fossem outdoors publicitários é crime comparável ao de pichação). Não deveria, portanto, dizer mais o que penso. Mas digo. Concordo com Dr. Marcos: a demolição da casa-grande do Engenho São Bartolomeu foi um crime! Nessa casa, Dona Rita de Cássia de Souza Leão Bezerra Cavalcanti criou o Bolo Souza Leão, oferecido a Dom Pedro II e Dona Tereza Cristina em 1859 (conforme História dos Sabores Pernambucanos, de Maria Lectícia Cavalcanti, editado pela Fundação Gilberto Freyre o ano passado).
Foi-se a casa-grande. Ficou parte da senzala. A ignorância foge de tombamento como o diabo foge da cruz. Qualquer pessoa minimamente informada – não precisava nem ser culta –, saberia que o tombamento do conjunto, casa-grande, senzala e ruínas de um engenho do século XVII (1636), valorizaria a sua propriedade. Além do valor comercial, somar-se-ia o valor histórico. Mas ganância misturada com ignorância dá uma combinaçãozinha desgraçada. “Vamos derrubar logo essa porcaria, antes que tombem.”
E sabe pra que o cidadão derrubou a casa? Construir galpões, disse ele. Isso. Construir galpões. Numa propriedade de não sei quantos hectares, esse foi o único lugar que o cara encontrou para construir galpões. Poderia ganhar dinheiro com os dois, a casa-grande e os galpões (esses, longe da casa, evidentemente). Mas o gênio empreendedor preferiu ganhar com um só. E assassinar a história.
Nos anos setenta, aluguei um carro com um casal de amigos e viajamos por quase toda a Grã-Bretanha: Inglaterra, País de Gales e Escócia (menos Irlanda, porque o IRA, na época, tava com a gota serena, explodindo bomba a torto e a direito). Um mês na estrada. No Lake District, em Wales e nas Highlands, nos hospedamos única e exclusivamente em casas-de-fazenda: bed & breakfast (cama e café-da-manhã). As fazendas em plena atividade.
Em Gales, ficamos numa casa do século XIII, construída com blocos de pedra aparentes, abundantes nas pedreiras da região. Aliás, tudo por ali era construído com aquelas pedras escuras. Até cercas de demarcação de propriedades, pequenas pontes e beiradas de estradas. Como nos filmes do Rei Artur e seus Cavaleiros da Távola Redonda. O dono da casa (e da fazenda, consequentemente) nos disse, com seu senso de humor galês: “Hospedo como um cortês e ganho dinheiro como uma cortesã, na cama”.
Alguns fazendeiros nos confessaram ganhar mais com suas camas do que com os negócios da fazenda. E outros admitiram ser um bom complemento, sobretudo nas entressafras de suas lavouras e criações.
Mas ninguém precisa ir tão longe. No interior de São Paulo, Rio e Minas, as casas restauradas de velhos engenhos, usinas e fazendas estão se transformando em belas hospedarias. E as casas-grandes dos barões do café, em hotéis de cinco, seis estrelas. Enquanto isso, a gente aqui joga uma pá de cal na história.
Sabe o que disse Einstein no dia em que tirou aquela foto estirando a língua? “Somente duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. E não estou seguro quanto à primeira”.
Postada por Gabriel Diniz
Derrubaram a casa-grande do Engenho São Bartolomeu, em Jaboatão. Derrubaram, não. O dono derrubou. E Dr. Marcos Albuquerque disse que considerava a demolição “um crime”.
Dr. Marcos é professor de História e chefe do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco. Ele pode dizer o que pensa. Eu, não. Corro o risco de ser processado, como já fui. Ou melhor, continuo sendo; das quatro ações movidas contra mim, uma continua rolando há quase quatro anos (simplesmente porque eu disse o que pensava: pintar imóveis históricos como se fossem outdoors publicitários é crime comparável ao de pichação). Não deveria, portanto, dizer mais o que penso. Mas digo. Concordo com Dr. Marcos: a demolição da casa-grande do Engenho São Bartolomeu foi um crime! Nessa casa, Dona Rita de Cássia de Souza Leão Bezerra Cavalcanti criou o Bolo Souza Leão, oferecido a Dom Pedro II e Dona Tereza Cristina em 1859 (conforme História dos Sabores Pernambucanos, de Maria Lectícia Cavalcanti, editado pela Fundação Gilberto Freyre o ano passado).
Foi-se a casa-grande. Ficou parte da senzala. A ignorância foge de tombamento como o diabo foge da cruz. Qualquer pessoa minimamente informada – não precisava nem ser culta –, saberia que o tombamento do conjunto, casa-grande, senzala e ruínas de um engenho do século XVII (1636), valorizaria a sua propriedade. Além do valor comercial, somar-se-ia o valor histórico. Mas ganância misturada com ignorância dá uma combinaçãozinha desgraçada. “Vamos derrubar logo essa porcaria, antes que tombem.”
E sabe pra que o cidadão derrubou a casa? Construir galpões, disse ele. Isso. Construir galpões. Numa propriedade de não sei quantos hectares, esse foi o único lugar que o cara encontrou para construir galpões. Poderia ganhar dinheiro com os dois, a casa-grande e os galpões (esses, longe da casa, evidentemente). Mas o gênio empreendedor preferiu ganhar com um só. E assassinar a história.
Nos anos setenta, aluguei um carro com um casal de amigos e viajamos por quase toda a Grã-Bretanha: Inglaterra, País de Gales e Escócia (menos Irlanda, porque o IRA, na época, tava com a gota serena, explodindo bomba a torto e a direito). Um mês na estrada. No Lake District, em Wales e nas Highlands, nos hospedamos única e exclusivamente em casas-de-fazenda: bed & breakfast (cama e café-da-manhã). As fazendas em plena atividade.
Em Gales, ficamos numa casa do século XIII, construída com blocos de pedra aparentes, abundantes nas pedreiras da região. Aliás, tudo por ali era construído com aquelas pedras escuras. Até cercas de demarcação de propriedades, pequenas pontes e beiradas de estradas. Como nos filmes do Rei Artur e seus Cavaleiros da Távola Redonda. O dono da casa (e da fazenda, consequentemente) nos disse, com seu senso de humor galês: “Hospedo como um cortês e ganho dinheiro como uma cortesã, na cama”.
Alguns fazendeiros nos confessaram ganhar mais com suas camas do que com os negócios da fazenda. E outros admitiram ser um bom complemento, sobretudo nas entressafras de suas lavouras e criações.
Mas ninguém precisa ir tão longe. No interior de São Paulo, Rio e Minas, as casas restauradas de velhos engenhos, usinas e fazendas estão se transformando em belas hospedarias. E as casas-grandes dos barões do café, em hotéis de cinco, seis estrelas. Enquanto isso, a gente aqui joga uma pá de cal na história.
Sabe o que disse Einstein no dia em que tirou aquela foto estirando a língua? “Somente duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. E não estou seguro quanto à primeira”.
Postada por Gabriel Diniz
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