Preto-Graúna


Quando cheguei à barbearia, o cidadão já tava lá, com uma toalha enrolada na cabeça, como um turbante. E algodão (acho que era algodão) cobrindo as sobrancelhas, como um Papai Noel de loja de subúrbio. Por menos curioso que eu fosse, não tinha como não observá-lo. Tava sentado na cadeira de barbeiro ao lado da minha. Portanto, a cara de um tava no espelho do outro.

Enquanto a toalha e o algodão faziam sua parte – que eu até então nem desconfiava quais eram –, a manicure lhe fazia as unhas. E o barbeiro, a barba.

Passados uns vinte a vinte e cinco minutos, a cabeleireira iniciou os procedimentos para desenrolar o turbante, com todo aquele ritual e solenidade que a ocasião exigia. Mais parecia uma oftalmologista retirando as ataduras do paciente recém-operado. E que ainda não sabia se tinha recuperado a visão. Tcham-tcham-tcham-tcham... Sucesso total!

E o meu vizinho de cadeira exibiu, rindo para o espelho, sua cabeleira e sobrancelhas mais pretas que as penas de uma graúna. Não me pareceu marinheiro de primeira viagem, aquela não era uma alegria deslumbrada. Era alegria renovada, periódica, com hora e dia marcados. (Se chegou à barbearia com uns 70 anos, deveria levantar daquela cadeira com, no máximo, uns 50. Assim pensava – e devia se sentir –, por certo).

Que a indústria de cosméticos sacaneia com os homens, não há a menor dúvida a respeito. Só pode ser de propósito. Mulher pinta o cabelo de qualquer cor e fica uma maravilha. A gente é capaz de jurar que a loura não é de farmácia e que a ruivinha puxou à tataravó escocesa.

Homem, não. Pintou, dançou. Parece mais um outdoor ambulante. Preto graúna ou acaju (que, pra quem não sabe, é uma madeira de tom castanho-avermelhado). Custava nada a indústria fazer tintas com cores de cabelo de verdade? Preto, castanho, louro e ruivo? Mas não. Pra homem, são duas as tintas. Uma tem cor de pena de passarinho. E a outra, de pé-de-pau, também conhecida como cor de burro quando foge.

Com as perucas, então, a coisa é ainda mais séria. Para as mulheres, todas dão certo. Naturais e sintéticas, com mil penteados diferentes, longos ou curtos, lisos ou ondulados, com tranças ou cachos, pretas, louras ou ruivas.

Pra homem, peruca não tem a menor chance. E isso não tem nada a ver com a qualidade. O careca pode ter todo o dinheiro do mundo e mandar fazer a peruca mais cara do planeta. Quando sair de casa, sabe quem vai dizer qu’ele tá de peruca? Deus e o mundo. Apenas. Não tem jeito. Se tivesse, ninguém jamais teria percebido a peruquinha de Frank Sinatra. E dinheiro ali não faltava.

Acho que só uma pessoa não reconhece cabelo de homem pintado: o próprio, o sujeito do cabelo pintado. E de peruca, então... Só ele acha que tá abafando.

Tecnologia e ciência servem pra tudo. Menos para rejuvenescer e ressuscitar cabelo de homem. Tudo quanto é remédio que promete nascer cabelo é picaretagem. Os implantes até que melhoraram um pouco. Antigamente parecia plantação de coentro, agora parece mesmo plantação de cabelo.

Eu era intolerante paca com homem de cabelo pintado. Era. Não sou mais. Ao contrário. A partir de agora, sou solidário e até um tanto compadecido. O que não quer dizer que eu vá pintar o meu. Não. Não vou. Mas sempre vou lembrar a cara de felicidade do meu vizinho de barbearia, com suas sobrancelhas e seu cabelo preto-graúna.

Se o preço da felicidade é o ridículo, tem quem pague. O que não deixa de ser comovente.

Nota: esta crônica foi selecionada para integrar o livro Cronistas Pernambucanos, editado por Antônio Campos e Luiz Carlos Monteiro, a ser lançado em novembro na Fliporto, em Olinda.

Por Joca Souza Leão, publicitário e cronista
Publicado em seu Blog "Crônicas do Joca"


Postado por Gabriel Diniz

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