TELEGRAMA URGENTE



Assim como fui ver se ainda existia algum resquício do cano do Pina (assunto da última crônica), fui até o Circular de Boa Viagem ver se havia algum resquício do cabo da Italcable.

O Recife tinha duas companhias internacionais de telégrafo: a inglesa Western e a italiana Italcable. Telegrama era o meio de comunicação escrita mais rápido do mundo. Quando alguém dizia “passei um telegrama”, era por que a coisa era urgente. E o telegrama tinha, também, mais solenidade que o telefone. Além de poder ser guardado e virar documento. Transmitido em código Morse, só utilizava letras (maiúsculas) e números. Pontuação e acentuação tinham códigos próprios: vírgula era vg; ponto, pt; dois pontos, bpts etc. “É” era “eh”. E “e”, conectivo, era “et”. Para a crase, dobrava-se a vogal: “aa”.

Pagava-se por palavra. Por isso, ninguém usava artigos, pronomes e preposições, nem era besta de fazer saudações no início (tipo “ilustríssimo senhor” ou “prezado amigo”) nem mandar “abraços” ou “atenciosamente” no final. Linguagem telegráfica, dizia-se.

Era um privilégio, o Recife (que já foi uma cidade importante, acredite) ser sede regional de duas companhias internacionais de telégrafo, com os cabos transoceânicos saindo daqui.

O da Italcable ficava bem em frente a onde era o Hotel Boa Viagem. Maré seca, a gente o via semienterrado na areia, aparecendo aqui, desaparecendo ali e reaparecendo mais adiante, como uma grande cobra a caminho do mar. Fui até lá, outro dia, pra ver se encontrava algum vestígio. Nada. Nem ninguém na praia com uma idade decente para me dar notícias de sua existência. Subi para o calçadão. Lá, ao contrário da praia, o que mais tinha era velho. Um monte, jogando dominó ao lado de uma barraca de coco. O problema era que ninguém parava de jogar. Fiquei por ali de tocaia e encostei quando uma das partidas acabou. Mas não deu tempo. Quando eu ia perguntar se alguém sabia do cabo da Italcable, as pedras do dominó já estavam todas viradas e sendo misturadas em cima do tabuleiro, pra começar mais uma partida.

Súbito, alguém gritou com intimidade afetiva: “Jocão!” Era Bubuska. Bubuska Valença. Cantor, compositor e dono daquele barco (melhor, caravela) que aparece na praia e no Capibaribe durante o carnaval. Quando soube o que eu queria, foi logo dando as boas vindas e as suas credenciais: “Nasci e me criei aqui, na praia. Vamos lá!”

No calçadão, mostrou logo o pedestal de uma placa, sem placa: “Roubaram, era de bronze; contava a história do cabo da Italcable e do que a Embratel botou depois”. Com convicção e precisão, mostrou por onde o cabo atravessava a calçada e saía na praia. Com um graveto, riscou na areia o seu trajeto até o arrecife, onde ganhava o mar a caminho da África.

“Quando eu era menino de praia e vivia pegando onda (ninguém ainda chamava surf, era ‘pegar onda’), tinha um maluco aqui que tinha um barco com um compressorzinho de oxigênio, que levava a gente, cinco, seis meninos, para mergulhar e cortar os pedaços do cabo pra ele. Aquilo era cobre, bicho, devia valer uma nota. Ele dava uns trocados pra gente e tava tudo certo”.

Pronto. O mistério do cabo estava esclarecido. Anos atrás, teria merecido até um telegrama pra Itália. AA ITALCABLE BPTS PLACA COMEMORATIVA E CABO SUBMARINO ROUBADOS NO RECIFE PT A PLACA VG NÃO VG MAS O CABO BUBUSKA SABE QUEM ROUBOU PT

Por Joca Souza Leão. Publicitário e Cronista.
Publicado em seu blog "Crônicas do Joca"

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